Adaptacao ao ensino superior militar: preditores do sucesso academico/ADAPTATION TO MILITARY HIGHER EDUCATION: ACADEMIC SUCCESS PREDICTORS/ADAPTACION A LA EDUCACION MILITAR SUPERIOR: PREDICTORES DEL EXITO ACADEMICO/ADAPTACION A LA EDUCACION MILITAR SUPERIOR: PREDICTORES DEL EXITO ACADEMICO. - Vol. 30 Núm. 76, Abril 2020 - Revista Innovar - Libros y Revistas - VLEX 844849720

Adaptacao ao ensino superior militar: preditores do sucesso academico/ADAPTATION TO MILITARY HIGHER EDUCATION: ACADEMIC SUCCESS PREDICTORS/ADAPTACION A LA EDUCACION MILITAR SUPERIOR: PREDICTORES DEL EXITO ACADEMICO/ADAPTACION A LA EDUCACION MILITAR SUPERIOR: PREDICTORES DEL EXITO ACADEMICO.

AutorRosinha, António Palma

Introdução

Os estudantes do ensino superior militar, particularmente durante o primeiro ano da Academia Militar, são confrontados com inúmeros desafios e mudanças com implicações quer nos seus níveis de sucesso e de satisfação, quer na vida em geral. O facto de estarem inseridos numa instituição altamente estruturada que exige o cumprimento de normas, apelando paralelamente a elevados padrões de conduta ética e moral, potencia o aparecimento de reações de stress. O acesso ao novo sistema de ensino implica, inevitavelmente, múltiplas mudanças. É necessário conciliar motivações e interesses pessoais com novos contextos de vida, ao nível familiar, social e académico. Para alguns, o contexto é propício para a exploração de novos ambientes e para a construção de novas relações. Para outros, é interpretado como potencialmente ansiogénico e gerador de situações indutoras de stress, uma vez que a formação exige elevado grau de especialização.

O recurso último à violência é uma das competências que tornam peculiar e única a essência dos militares. No entanto, o militar só poderá ter um desempenho eficaz com treino e formação superior considerável, o que acarreta elevado desgaste, com impacto na satisfação. Esta competência não é meramente técnica, que advém do treino militar, mas uma habilidade intelectual extraordinariamente complexa que requer estudo e formação abrangente (Huntington, 1996) (1).

Nuankaew, Nuankaew, Bussaman e Tanasirathum (2017) referem que o desenvolvimento pessoal com que o estudante universitário se depara é um bom indicador de uma adaptação académica positiva. A adaptação inicial envolve o lidar com a mudança do contexto civil para o militar, dos hábitos de estudo, da vida diária e sobre si mesmos (Pascarella e Terenzini, 2005), bem como autodisciplinar-se. As exigências podem refletir-se por meio de níveis moderados de stress que são mediados pelos seus recursos e pelo nível de maturidade psicológica. A teoria da conservação de recursos (Hobfoll, 1988, 1989, 2001) constitui um importante eixo de suporte ao considerar os processos ambientais, culturais e sociais, bem como os processos pessoais e internos, não esquecendo a sua lógica interacional.

Apresentam-se dois estudos que procuraram caracterizar os fatores que colocam maiores dificuldades na adaptação aos alunos (estudo 1) e predizer o sucesso académico (estudo 2), respetivamente com os seguintes objetivos: 1) identificar e compreender as variáveis que colocam maiores dificuldades de adaptação aos cadetes no contexto da cultura organizacional militar e 2) conhecer as variáveis que melhor expliquem os resultados ou o sucesso académico.

A avaliação dos fatores que geram maior conflito interior e exterior é um passo para lidar com as variáveis que podem contribuir para o sucesso ou insucesso no nível individual e académico. Com o intuito de caraterizar o processo de adaptação no ensino superior militar, aborda-se, em particular, a cultura militar como elemento contextual, caraterizado por determinados stressores académicos (Almeida,

Ferreira e Soares, 2003), capaz de induzir percepções de autoeficácia com impacto no sucesso académico. Assim, os princípios epistemológicos subjacentes à construção do objeto do estudo conduziram a delimitação da temática à cultura militar e aos stressores que a caraterizam, à autoeficácia e ao sucesso académico em alunos do ensino superior militar (Academia Militar).

Cultura em instituições militares

A concepção de Althusser (1971) relativa aos aparelhos de Estado pode ser usada para o entendimento da educação bélica. A proposta desse filósofo que mais se aproxima do ensino militar, quando apresenta "a ideia de que a escola é uma instituição destinada a preparar os indivíduos de acordo com os papéis que devem desempenhar na sociedade, sendo um deles o de agente da repressão e os processos de inculcação da ideologia dominante", aplica-se à pedagogia castrense em que "o modelo de administração escolar, basicamente de cunho fayolista, imprime no psiquismo discente as idéias de racionalização, previsibilidade e controle" (Ludwig (2), 1998, pp. 33, 34).

A partir desse raciocínio, entende-se que as forças armadas funcionam pela ideologia, simultaneamente para assegurar a sua própria coesão e reprodução dos valores que projetam no exterior. Não há aparelho puramente ideológico, mas a "escola, seja ela civil ou militar, é um espaço dinâmico político por excelência. Ela é politicamente determinada, o seu processo educativo é político e os seus resultados também são políticos" (Ludwig, 1998, p. 7). Assim, ela denota as relações de força vigentes na sociedade.

As teorias da reprodução podem ser usadas para o entendimento do fenómeno educativo militar, desde que se tenha em conta uma distinção importante entre o ensino civil e o bélico, pois os alunos civis são preparados para atuar diretamente no setor produtivo como força de trabalho. A teoria da violência simbólica de Bourdieu (1983) no que tange aos temas da imposição de um arbitrário cultural, do habitus, definido como um esquema de pensar, apreciar, perceber e agir, e o tipo secundário de trabalho pedagógico, destinado à conversão radical do indivíduo, aplica-se à prática pedagógica castrense.

O ensino de certas matérias também ocorre para que seja adquirida uma cosmovisão ordenada. A matemática ensinada aos cadetes encontra-se impregnada da inversão idealista que supõe ser o real determinado pela razão. Além disso, o formalismo e a tautologia dessa disciplina tendem a reforçar a concessão de ordem. A física aprendida pelos alunos é predominantemente a clássica, de cunho determinista. Os assuntos são apresentados aos alunos de forma pronta e acabada, como verdades inquestionáveis, separadas dos conflitos e contradições existentes no seio da sociedade e da comunidade científica. A história é transmitida como uma sucessão concatenada de causas e efeitos, cujos acontecimentos fortuitos são passíveis de serem entendidos como irrelevantes (Ludwig, 1998).

Cada ramo militar também tem o seu próprio conjunto de códigos morais (Kuehner, 2013), como a honra e a coragem. Cole (2014) descreve um conjunto de dimensões transversais à cultura militar (linguagem, hierarquia, sentido de regras e de obediência aos regulamentos, autoexpectativa e autossacrifício) que precisam ser observadas e compreendidas. A linguagem é um aspeto visível ao nível superficial do estilo de vida militar, com jargões próprios. A hierarquia é um importante aspeto cultural de nível superficial visível da comunidade militar. A classificação e a ordem são rígidas nas forças armadas, em que os membros da organização militar devem mostrar respeito e conformidade com seus superiores.

Essa estrutura autoritária também pode ser imitada na vida familiar da família militar (Hall, 2008). No geral, a classificação interna na organização militar determina quanto ganha financeiramente (Huebner, 2013), o nível de educação (ensino) militar que lhe é fornecido, o nível de acesso aos recursos organizacionais (Hall, 2008) e a quantidade e qualidade esperada de sua responsabilidade.

A posição social afeta a identidade e o senso de identidade dos membros da família de tal forma que a família do militar se identifica com a sua posição análoga na comunidade militar (Drummet, Coleman e Cable, 2003). Os profissionais externos que acompanharam os militares devem estar cientes de que a posição hierárquica pode influenciar não apenas o nível económico da família, mas também o seu nível de stress (Cole, 2014).

Indo mais além, a cultura militar incorpora um forte senso de regras e restrições como obediência, pois existem regras e expectativas claramente definidas para os militares e respetivas famílias, o que inclui diretrizes de etiqueta para cônjuges e filhos sobre trajes, maneirismos e comportamento em público (us Army War College, 2011). O seu comportamento dentro da estrutura militar é governado por uma complexa massa de regulamentos, costumes e tradições. O comportamento em relação à sociedade é guiado pela consciência de que as suas habilitações só podem ser utilizadas para fins aprovados pela sociedade por meio do seu agente político que é o Estado.

Outro aspeto invisível da cultura militar, característico de um nível emocional mais intenso, é o ethos do guerreiro. Normalmente, com exceção dos conscritos (serviço militar obrigatório), as forças armadas são constituídas por voluntários que aderem ao estilo de vida militar na intenção de organizar a sua carreira (Hall, 2008). Para esses membros, o conceito de ethos guerreiro prevalece na comunidade militar, pois os membros da instituição militar e as suas famílias, em geral, orgulham-se da sua capacidade de superar os desafios por si mesmos (Hall, 2008; Huebner, 2013; Cole, 2014), em tempos de guerra e paz (Park, 2011). No estudo de Cole (2014), mais da metade dos membros da família militar relatou estar satisfeita com o estilo de vida militar, enfatizando o seu compromisso de enfrentar e superar desafios (Cole, 2014).

A cultura militar também promove a noção de força e controle emocional (Halvorson, 2010), que, por sua vez, impulsiona o medo de parecer fraco (Huebner, 2013), especialmente em relação à saúde mental (Danish e Antonides, 2013). A noção de autossacrifício é profundamente sentida dentro da cultura militar. Guiados pelo ideal de que o indivíduo é secundário à organização, os membros da família militar enfrentam inúmeras ocorrências e decisões que alteram radicalmente as suas vidas, com deslocamentos e separação dos seus grupos sociais de origem no decorrer da sua carreira militar (Park, 2011).

Stressores da fase de transição

O cadete confronta-se com um outro espaço institucional, com normas próprias, com tarefas académicas que exigem novas competências de estudo e níveis mais elevados de organização, autonomia e envolvimento. Assiste-se a um acréscimo de responsabilidades e de oportunidades de exploração, experimentação e a possibilidade de construção...

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