Teoria constitucional e ativismo político: Problemas de teoria e de prática com direitos fundamentais sociais - Núm. 119, Julio 2013 - Revista Facultad de Derecho y Ciencias Políticas - Libros y Revistas - VLEX 521624442

Teoria constitucional e ativismo político: Problemas de teoria e de prática com direitos fundamentais sociais

AutorCarlos Luiz Strapazzon - Rodrigo Goldschmidt
CargoPós-doutorando em Direitos Fundamentais - Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Páginas567-624

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Introdução

Na sabatina ocorrida no Senado dos Estados Unidos, em 12 de julho de 2005, com o então candidato a uma cadeira da Suprema Corte, o Justice John Roberts, airmou que juízes são, na verdade, árbitros. E disse mais. Por serem árbitros, os juízes "não criam normas. Aplicam-nas. São eles que asseguram que todos vão jogar segundo as regras" (Toobin, 2009). O episódio lembra um outro Justice daquela Corte. Nas cartas que escreveu a Harold Laski, o celebrado Oliver Wendell Holmes defendeu, como ninguém mais, a relação de determinação entre juízes e a aplicação de regras. Disse ele: "se meus concidadãos desejarem ir ao inferno, eu os ajudarei. Esse é o meu traba-lho" (Holmes e Laski, 1963, p. 248-249). Para Holmes e Roberts é o povo, segundo procedimentos democráticos, quem deine o que uma sociedade deve ter para ser uma boa sociedade. Aos juízes cabe aplicar as decisões do povo e dos representantes eleitos (as regras). Não é seu papel divergir dessas escolhas majoritárias feitas pelas instituições democráticas, nem censurar eventuais omissões. O Judiciário, segundo esse modelo de jurisdição, é fun-ção subordinada às instituições representativas da democracia. A República, é uma forma; as instituições democráticas perfazem a substância.

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O ideário subjacente4 a essas teses conservadoras da função jurisdicional sustenta que a função primária dos Tribunais é fazer ajustiça para as partes de um caso concreto. Inovações na ordem jurídica, por via jurisdicional, em especial as de efeito geral, ameaçam a democracia5. O caráter inovador & político das decisões judiciais, por isso, tem sido tema de grande interesse e crítica, tanto no meio jurídico, quanto político.

Na teoria do direito, em reação às concepções mais tradicionais da função jurisdicional, parte da doutrina constitucional especialmente formada por autores não positivistas, dedicou-se a desenvolver razões para justiicar a necessidade da atuação judicial mais criativa - inovadora até - como meio de melhor proteger a dignidade, a integridade, a justiça e a força normativa de preceitos constitucionais em face das leis, de atos administrativos, de decisões judiciais e de atos privados (Dworkin, 2007; Hesse, 1991; Barroso, 1995; Canaris, 2003). Outra parte, especialmente formada por autores positivistas ou quase positivistas, têm elaborado teses conservadoras e críticas quanto a esse projeto (Ferrajoli, 2007; Ramos, 2010), muito embora tanto a inovação quanto a natureza política da jurisdição hajam sido serenamente reconhecidas como inerentes à função jurisdicional por um dos fundadores do positivismo jurídico6.

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O certo é que há teóricos, de um lado, que envidam esforços para justiicar a prioridade do direito contra a paralisia decisória; ou, ao contrário, contra abusos do poder. E por outro, há os que visam justiicar a prioridade das instituições democráticas em face das jurisdicionais. Mas o interesse pelas circunstâncias que geram tais polêmicas - e que justiicam as conexões entre direito, política, moral e justiça - transcendeu os domínios da ciência dogmática do direito. Despertou a teoria política e sociológica (Tate, 1995, pp. 27-38). E tanto a ciência dogmática do direito quanto as ciências políticas avançaram com esse assunto. Aceita-se nas duas áreas, por exemplo, que nas democracias constitucionais atuais, sobretudo nas mais recentes, há novos direitos e novas competências formalmente estabelecidos que, em boa medida, fundamentam a expansão do raio de atuação jurisdicional; também convergem, em termos gerais, quanto ao fato de que essa expansão de competências é mais acentuada onde são mais graves os problemas de legitimidade do regime, sobretudo onde as expectativas de efetivação das liberdades básicas, da equidade social e da dignidade da pessoa humana estão represadas há muito tempo.

Como era de esperar, os esforços analíticos mobilizados para tornar inteligível o novo fenômeno da expansão - e também da justiicação das funções judiciais expandidas - e, por conseguinte, do empoderamento político dos Tribunais, resultaram em estudos e teses apoiados em categorias conceituais (muitas das quais provisórias) deanálise. Parte das mais inluentes categorias provisórias de análise do empoderamento político dos tribunais foram elaboradas pelas ciências sociais, especialmente pela sociologia política e pela ciência política. Por outro lado, muitas teses jurídicas bem difundidas a respeito desse tema estão fundamentadas em teorias sociológicas que utilizaram termos e conceitos ainda em desenvolvimento no âmbito das ciências sociais, portanto, teoricamente incompletos.

Este artigo apresenta uma crítica a algumas dessas teorizações jurídicas. Seu objeto é analisar, e também criticar, o especíico emprego da categoria

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analítica conhecida como ativismo judicial, intensamente adotada para explicar o judicial empowerment dos últimos 60 anos. O artigo também oferece uma crítica, a partir de uma análise seletiva da jurisprudência brasileira, da aplicação desse termo no contexto da jurisprudência brasileira.

O trabalho sustenta que ativismo judicial é uma categoria de análise inadequada para o desenvolvimento de uma teoria brasileira da jurisdição constitucional; que essa categoria conceitual revela-se especialmente inadequada para explicar certos tipos de decisões judiciais inovadoras e conlitantes com a independência do Poder Legislativo e do Poder Executivo: as que têm como fundamento a proteção dos direitos fundamentais a prestações sociais fáticas; em face de omissões arbitrárias do Estado. A tese aqui defendida é que Constituição brasileira (CRFB) vigente modiicou intensamente a natureza política da atividade judicial. Tais mudanças decorrem de dois rearranjos constitucionais: (1) a inclusão dos direitos constitucionais a prestações sociais na categoria dos direitos fundamentais; (2) a adoção de um novo modelo de relações constitucionais entre os Poderes da República que será denominado de modelo negativo-e-positivo de checks and balances.

1. A expansão das funções jurisdicionais

A teoria do direito dispõe, atualmente, de expressiva produção de ciência política dedicada a explicar, segundo seus métodos empíricos, a atuação expandida do Poder Judiciário (Robertson, 2010; Hirschl, 2004; Vianna, 1999; Tate, 1995; Nonet, Selznick, 1978). Também conta com imensa produção de teses normativas, como as teorias de autocontenção judicial (Ely,

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2010; Tushnet, 2008) e as teorias da justidade7 do direito (Alexy, 2003a; Dworkin, 2007)8.

Parte dessa produção teórica explica atuação expandida do Poder Judiciário como um produto de substantivação do direito (Alexy, 2011; Zagrebelsky, 1992; 2008; Sarlet, 2009. pp. 15-43; Barroso, 2008; Martel, 2005; Strapazzon, 2009); e parte, como resultado de inovações na legislação processual orientada para a absorção de novas formas de litigiosidade e de novos titulares aos aparelhos de Justiça (Cappelletti, 1992; 1993).

Toda essa vasta e inluente literatura reconhece, como é fácil notar, a existência (e admite a validade) de práticas judiciais inovadoras que decorrem de três eixos principais: da substativização do direito, do surgimento de novos tipos de conlitos judiciais e da ampliação democratizante do acesso ao Judiciário. As mais destacadas novas práticas judiciais poderiam ser assim descritas: (1) a utilização de direitos humanos como fundamento da interpretação do direito constitucional; (2) a aplicação direta de dispositivos constitucionais para resolver casos concretos; (3) a proteção judicial diferenciada (mais célere) de bens jurídicos diretamente relacionados

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com a vida digna das pessoas; (4) a utilização de julgados constitucionais estrangeiros, inclusive por juízes e tribunais inferiores, como fundamento de decisão; (5) rejeição da separação entre princípios gerais de direito (normas morais externas) e regras de direito (normas jurídicas internas); (6) aceitação de uma concepção bipartida de norma jurídica formada por regras jurídicas e por princípios de direito, ambas conectadas entre si por uma relação de fundamentação e justiça; (7) recusa de que a tutela judicial seja ato de entrega da vontade do legislador ou da vontade da lei; (8) abertura do Poder Judiciário para procedimentos liberais e democráticos de decisão (audiência pública, amicus curie, transparência de dados, arbitragem); (9) aceitação de diferenças conceituais entre texto normativo estabelecido nas leis, norma jurídica e direito; (10) reconhecimento de que é função do Poder Judiciário controlar a intervenção excessiva e a proteção insuiciente dos atos jurídicos (públicos ou privados).

Antes de avançar para o tópico seguinte, é preciso apontar duas consequências dessas práticas inovadoras. Ambas são conhecidas. Todavia, foram pouco exploradas pela dogmática jurídica. A primeira é que as novas práticas mudaram o papel do Poder Judiciário no sistema de checks and balances. A segunda é que essa expansão de funções no sistema de checks and balances acentuou a natureza republicana das funções jurisdicionais. Essas duas últimas consequências serão melhor abordadas a seguir.

2. Ativismo judicial

O fenômeno da atuação expandida - ou empoderamento - do Poder Judicial, e das suas decisões inovadoras, vêm sendo analisado (e também criticado) com grande interesse pela teoria sociológica e pela teoria política - pelo menos, desde os anos 40, do século XX. Dentre alguns resultados conhecidos, sobressaem teses de recorte interdisciplinar. Daí porque expressões como

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judicialização da política (Vianna, Carvalho, Melo e Burgos, 1999, p...

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