A biblioteca escolar a partir da perspectiva sociofenomenologica. - Vol. 40 Núm. 3, Septiembre - Septiembre 2017 - Revista Interamericana de Bibliotecologia - Libros y Revistas - VLEX 695387233

A biblioteca escolar a partir da perspectiva sociofenomenologica.

AutorFioravante Garcez, Eliane

School Libraries from a Social Phenomenological Perspective

  1. Introducao

    O conceito e/ou sentido de biblioteca escolar (BE) perpassa por distintos atores sociais como bibliotecarios, professores e alunos, em distintas situacoes de envolvimento com o conhecimento do senso comum e com o conhecimento reificado no Mundo da Vida.

    O termo Mundo da Vida, de Husserl (Lebenswelt), foi revisitado por Schutz e Luckmann (2009) para quem significa "[...] la realidad que parece evidente para los hombres que permanecen en la actitud natural" (p. 25). E o mundo aceito por nos, onde agimos e portanto, e tambem o mundo onde podemos intervir.

    0 Mundo da Vida Cotidiana se apresenta como parte de uma realidade onde o homem age e interege. E o mundo onde o adulto alerta e normal, [1] como enfatiza Schutz (2008), experimenta e vivencia atitudes de sentido comum, inquestionaveis, que foram aceitas por seus antecessores e que pouco a pouco passaram a ser aceitas por ele, estando com ele no seu presente. Nesse mundo, por exemplo, cahorro e cachorro, livro e livro, escola e escola, biblioteca e biblioteca, aluno e aluno. Independentemente do contexto socio-politico, economco e cultural onde esses conceitos estao inseridos ha uma tipificacao.

    Com isso, pode-se admitir que tal sentido esta separado da forma como se fala e/ou se escreve; se aluno, alumno ou student, se escola, escuela ou school, para citar alguns exemplos das diferentes variacoes desses termos. Ha caracteristicas especificas em cada um destes grupos. Por exemplo, no dos alunos, ha a presenca ou a marca de caracteristicas individuais. As caracteristicas especificas de cada um desses grupos fazem com que sejam identificados e aceitos como tal. Sao seres, objetos, instituicoes que ja existiam antes de chegarmos ao meio social. Eram aceitos por nossos predecessores, tornando-se inquestionaveis para nos. Assim, o mundo historicamente dado, o mundo da atitude natural, e um mundo aceito, nao contestado. Enquanto nesse mundo a certeza e evidente, no mundo da atitude cientifica a duvida e posta em evidencia. O pesquisador social e orientado a colocar entre parenteses (principio husserliano da reducao fenomenologica ou epoche) todas as certezas, ou "verdades", que traz consigo advindas do mundo da atitude natural. Condicao que lhe e exigida para tratar da acao investigada de forma que o fenomeno possa aparecer. Vilem Flusser (1966) apresenta um exemplo bastante didatico sobre tal principio, que

    procura reduzir todos os conhecimentos que tenho de um objeto, a fim de permitir que possa captar a essencia do objeto. E de certa maneira, o metodo da 'pop art'. Pego a roda de uma bicicleta velha e penduro na parede. Procuro esquecer tudo que sei a seu respeito. Inclusive que e 'roda de bicicleta'. E o objeto assim exibido comeca a revelar a sua essencia mesma. (p. 36) De acordo com Schutz (2008), a acao refere-se a "conducta humana como proceso en curso que es ideado por el actor de antemano, es decir, que se basa en un proyecto preconcebido" (p. 86). Alem de Husserl, a obra de Schutz tem forte aporte na teoria weberiana da acao racional.

    No mundo da atitude natural estamos cotidianamente envolvidos em problemas. Para resolve-los, e comum fazermos uso do acervo de conhecimento que temos a mao. (Schutz & Luckmann, 2009, p. 25). Mas, o mundo da vida e tambem o mundo da atitude cientifica. Os conceitos de cachorro, livro, biblioteca, escola e aluno, por exemplo, demandam diferentes estudos em diferentes areas do conhecimento. Esses estudos mostram complexidades nao aparentes, mas presentes e guardadas no mundo da atitude natural. Para a fenomenologia, o que aparece nesses estudos sao os fenomenos.

    Para Moscovici (2004) "procuramos uma resposta ao eterno 'por que?' [...] porque nos estamos convencidos que cada ser e cada objeto no mundo e diferente da maneira como se apresenta" (p. 79). Utilizando o exemplo dado por Schutz (2008) ha varios tipos de cachorro, e todos se enquadram no ideal tipico de cachorro, contudo ha o meu cachorro Pepe que e de uma determinada raca e possui caracteristicas do convivio social. No mundo do conhecimento do senso comum, biblioteca, por exemplo, e um lugar que tem uma colecao de livros, e que passa a ser compreendido como biblioteca escolar, quando este lugar esta dentro de uma escola. Pensando assim, imaginamos que esse espaco recebe alunos e deve atender as suas necessidades de leitura e informacao.

    Buonocore (1976) afirma que a BE e uma biblioteca de trabalho que atua como orgao auxiliar e complementar da escola e deve facilitar "a los ninos el material bibliografico para el estudio y solucion de sus problemas y deberes de clase. [...] proporciona sus servicios a los alumnos, maestros y padres" (p. 76).

    Magan-Wals (1996) no final do seculo XX, sugere que este tipo de biblioteca pode ser compreendido como um tipo especializado ao qual cabe oferecer "un servicio eminentemente formativo a los estudiantes y su profesorado" (p. 36). Esse autor entende que as bibliotecas deveriam ser classificadas em dois grupos: "bibliotecas de dependencia publica al servicio de la comunidad [...] y [...] bibliotecas al servicio institucional" (pp. 37-38).

    Segundo o autor, no primeiro grupo estao as bibliotecas cujo objetivo e o atendimento as pessoas no sentido de lhes garantir o direito de acesso a informacao e a educacao gratuitas tal como expresso na carta magna de diferentes paises. No segundo grupo estao as bibliotecas cujo proposito e atender as empresas, nao aos seus clientes, mas a seus funcionarios com objetivos concretos.

    Mas, independentemente da classificacao dada para esse espaco, o que e interiorizado do conceito de BE pelo aluno que usa essa biblioteca para resolver os problemas demandados pela escola? O que o aluno tem subjetivado a partir desse conceito apos onze anos estudando numa escola com biblioteca? Esta e a pergunta central da pesquisa que vem sendo desenvolvida no Programa de Pos-Graduacao em Ciencia da Informacao da Universidade Federal de Santa Catarina (PGCIN/ UFSC) cuja proposta pretende ouvir estudantes de escolas publicas.

    Essa pesquisa tem como fundamentos teoricos e metodologicos a fenomenologia compreensiva de Alfred Schutz. Quais serao as acoes dos alunos relacionadas a BE e quais sao os motivos-para e motivos-porque que levaram determinado aluno, no ultimo ano do Ensino Medio, a ter interiorizado um dado "sentido" de BE durante sua formacao basica?

    Este projeto fundamenta-se na fenomenologia compreensiva de Alfred Schutz operada no Mundo da Vida.

    Nas suas concepcoes teorica e metodologica ha fundamentalmente ideias de Edmund Husserl, Henri Bergson e de Max Weber. Alem disso, nos reportamos a teoria construcionista de Peter Berger e Thomas Luckmann (2003), principalmente aos seus conceitos de interiorizacao, exteriorizacao, legitimacao, objetivacao, aprendizagem e socializacao primarias e secundarias. De Norbert Elias (1994) utilizamos os conceitos de sociedade, individuo, interdependencia, habitus e de Serge Moscovici (2004) o de representacao social.

    No topico 2 apresentamos aspectos da biografia de Alfred Schutz e os conceitos teoricos e metodologicos fundadores de sua teoria. No topico 3 apresentamos os procedimentos metodologicos da pesquisa. No topico 4 fazemos consideracoes acerca da biblioteca escolar, objeto deste estudo. Por fim, no topico 5, apresentamos algumas consideracoes.

  2. Alfred Schutz: a compreensao no centro de uma teoria do conhecimento e de um metodo cientifico

    Alfred Schutz (1899-1959) centrou seus estudos na compreensao dos motivos das acoes racionais que acontecem no mundo da vida e na explicacao da relacao entre os seres humanos com base nessa compreensao. A obra Postulado da Interpretacao Intersubjetiva e central na sua producao.

    Segundo esse autor, para que o cientista social capte e trate cientificamente as acoes dos atores sociais, deve fazer uso dos mesmos principios que envolvem as acoes que acontecem naturalmente no Mundo da Vida. Para entender o complexo processo que desencadeia uma acao, Schutz centrou seus estudos utilizando principalmente os referenciais de Husserl e de Weber. Concordou com muitos dos constructos defendidos por ambos, divergiu de alguns, e fundou a fenomenologia compreensiva. Antes disso, dedicou oito anos de estudo as obras de Weber e Husserl. De 1924 a 1928 estudou a teoria da acao social de Weber, buscando esclarecimentos, principalmente com relacao ao conceito weberiano de compreensao subjetiva. Por envolver a questao psicologica do ator social, neste periodo, recorreu as concepcoes de mente, memoria...

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