O estado da arte da Economia Politica Internacional no Brasil: possibilidades para se pensar (e praticar) uma EPI a partir de baixo. - Vol. 30 Núm. 2, Julio 2018 - Revista Desafíos - Libros y Revistas - VLEX 736428893

O estado da arte da Economia Politica Internacional no Brasil: possibilidades para se pensar (e praticar) uma EPI a partir de baixo.

AutorRamos, Leonardo
Páginas127(31)

The State of Art of International Political Economy in Brazil: Possibilities to Think (and Practice) an IPE from Below

El estado del arte de la Economia Politica Internacional en Brasil: posibilidades para pensar (y practicar) una EPI a partir de abajo

Introducao

Muito tem sido dito recentemente acerca da importancia do desenvolvimento de um estudo verdadeiramente global das Relacoes Internacionais (RI), que deveria assim ser acompanhado por uma preocupacao constante em compreender as dinamicas particulares e as peculiaridades dos estudos de RI nas diversas regioes do mundo (Acharya, 2014; 2016). Somado a tal preocupacao, tambem se destacam os estudos que buscam mapear as pesquisas recentes em RI, particularmente no que diz respeito a producao de RI na America Latina e no Brasil (Medeiros, Barnabe, Albuquerque & Lima, 2016; Barasuol & Silva, 2017; Villa, Tickner, Souza & Masmela, 2017). Nao obstante, a pertinencia de tais estudos recentes, duas lacunas particulares desta producao chamam atencao: em primeiro lugar, nem todos se engajam de forma explicita com as producoes de RI nos periodicos da area--particularmente com relacao aos estudos sobre o campo no Brasil, nenhum deles apresenta um engajamento explicito e exclusivo com as producoes academicas nos periodicos brasileiros (tal questao e relevante por duas razoes: primeiro, porque grande parte dos periodicos brasileiros sao editados pelos programas de pos-graduacao; e segundo, porque grande parte da producao dos academicos brasileiros e em lingua portuguesa); em segundo lugar, nao ha um estudo detalhado que busque apresentar o estado da arte das pesquisas recentes em Economia Politica Internacional (EPI) no Brasil.

E exatamente nestas lacunas que o presente artigo se insere: busca-se aqui apresentar o estado da arte das producoes recentes em EPI no Brasil, particularmente aquelas que foram publicadas nos periodicos brasileiros de maior relevancia entre os anos de 2000 e 2015. A ideia aqui e apresentar um panorama das producoes recentes, e a partir dai, algumas inferencias acerca destas producoes. A hipotese neste caso e que as producoes brasileiras em EPI acabam confirmando a tese da pesquisadora Arlene Tickner, de que o pensamento internacional latino-americano se destaca pela preocupacao com a dimensao pratica (Tickner, 2008)--e, consequentemente, neste processo, abordagens e conceitos desenvolvidos originalmente na America Latina e no Brasil acabam tendo certa pertinencia nos processos analiticos em EPI, particularmente na producao recente.

Ora, os periodicos sao elementos centrais no processo de producao e disseminacao do conhecimento academico: atraves deles, e possivel identificar quais sao os principais debates e temas de um determinado campo cientifico. Em suma, sao instituicoes extremamente importantes da ciencia moderna e, neste sentido, um meio crucial para se compreender determinada disciplina, sua evolucao e desenvolvimento; em ultima instancia, funcionam como reflexo de uma disciplina cientifica, sendo assim uma evidencia deveras interessante para uma compreensao mais sistematica de um campo (Waever, 1998; Whitley, 2012; Kristensen, 2015; Turton, 2016).

Partindo assim das producoes publicadas nos periodicos brasileiros entre os anos de 2000 e 2015, buscar-se-a mapear uma subarea das RI, a saber, a EPI; e neste sentido foram selecionados e analisados 392 artigos de 11 periodicos: Dados, Opiniao Publica, Revista Brasileira de Ciencias Sociais, Revista Brasileira de Politica Internacional, Contexto Internacional, Lua Nova, Novos Estudos cebraP, Revista de Economia Politica, Revista de Administracao Publica, Revista de Sociologia e Politica e Carta Internacional (1). Tais artigos foram classificados a partir das seguintes categorias: genero dos autores; regiao brasileira de origem dos autores; pais de origem dos autores; teorias mobilizadas; metodos de procedimento; logica de producao de inferencias; principais temas analisados; regioes analisadas. Em larga medida, trata-se de um estudo exploratorio, que se baseia em uma pesquisa de carater qualitativo feita a partir da analise do conteudo dos 392 artigos selecionados, bem como da analise de dados secundarios coletados a partir da bibliografia existente sobre o tema.

Assim sendo, o presente artigo buscara responder tal pergunta e atender tal analise exploratoria a partir da seguinte estrutura: em primeiro lugar, buscar-se-a apresentar de maneira breve dois importantes movimentos recentes no campo das RI--a ideia de Global IR e a Virada Historiografica--, e de que maneira as reflexoes latino-americanas e brasileiras de EPI se inserem em tais debates. Feito isso, em segundo lugar sera feita uma discussao a respeito do surgimento e desenvolvimento da area de RI no Brasil, e como a EPI se insere neste processo. No caso, a ideia nestas duas secoes e apresentar uma dupla contextualizacao da EPI no Brasil: primeiro, como parte das reflexoes latino-americanas acerca do internacional e, segundo, em relacao ao desenvolvimento das RI no Brasil. Feito isto, em terceiro lugar, sera feita a analise das producoes recentes em EPI nos periodicos brasileiros entre os anos de 2000 e 2015, a partir das categorias supracitadas. Por fim, algumas consideracoes finais, articulando as secoes anteriores, serao apresentadas.

Global IR, Virada Historiografica e a EPI Latino-Americana (e brasileira)

Antes que iniciemos as discussoes a respeito da EPI no Brasil, faz-se relevante apresentar, mesmo que de forma breve, dois movimentos contemporaneos de grande importancia para o campo das RI: (i) a ideia de Global IR; e (ii) a Virada Historiografica.

Com relacao ao primeiro movimento, nos ultimos anos nota-se o acumulo de varias criticas acerca da real capacidade das Relacoes Internacionais (teorias e metodos), particularmente daquela que se desenvolveu nos ultimos anos a partir do Ocidente, em explicar os processos e realidades vividos pela periferia, o que colocaria entao limites significativos para tais abordagens ja que parte importante do globo estaria sendo constantemente excluida por tal ciencia. E neste contexto que emerge a ideia de Global international relations (Global IR), destacando a importancia de se levar em consideracao a diversidade do internacional, particularmente mediante o reconhecimento de locais, lugares, papeis e contribuicoes de sociedades e povos nao-Ocidentais para os processos de construcao e constituicao do internacional. Neste sentido, enfase e dada na importancia de se pensar o internacional a partir de novas perspectivas teorico-analiticas, particularmente aquelas que destaquem a importancia do Sul Global nestes processos (Acharya, 2014, 2016).

No que diz respeito ao segundo movimento, nos ultimos anos nota-se uma "Virada Historiografica" no campo das RI, virada esta que, mediante os trabalhos de Benjamin Cohen (2008), de alguma maneira, acabou transbordando para o subcampo da EPI. Neste caso, a visao convencional de "tres ideologias/teorias" (realistas/nacionalistas, liberais e marxistas) popularizada por Robert Gilpin, nos anos 1980 (2002) (e significativamente devedora do chamado 3 Debate ou Debate Interparadigmatico das Relacoes Internacionais), foi desafiada pela ideia de Benjamin Cohen sobre a existencia de duas grandes Escolas de EPI: Escola Estadunidense e Escola Britanica, cuja grande e substancial diferenca diria respeito eminentemente as questoes metodologicas, com uma cisao na escola estadunidense--(i) abordagem sistemica da terceira imagem e (ii) Open Economy Politics, mais de medio alcance voltada para segunda imagem (2).

Ora, a despeito de seu apelo, e de certas evidencias interessantes apresentadas por Cohen, tal autoimagem da EPI e problematica por uma serie de questoes, dentre as quais se destacam para nossos propositos as seguintes:

Primeiro, um problema em termos de historiografia do campo: uma parcela significativa de tal narrativa parte de uma visao "internalista" do campo, focando em grandes personalidades e debates internos --sendo que muitas questoes relevantes da EPI emergem quando as atencoes sao voltadas para os eventos externos ao campo (3).

Segundo, as questoes acima nos chamam a atencao para o fato de que a praxis da historiografia de um campo cientifico e necessariamente um profundo projeto politico, que busca tanto deslegitimar o padrao que uma disciplina tem adotado a fim de apontar novas direcoes futuras (no caso de uma historiografia critica), quanto defender e conservar, justificando e legitimando a direcao que a disciplina tem tomado, indicando assim sua manutencao no futuro (no caso de uma historiografia ortodoxa) (Hobson, 2013a; 2013b).

No caso da EPI, tanto a localizacao quanto a temporizacao de suas origens sao, assim, atos politico-intelectuais: ora, segundo a narrativa convencional (neste caso, tambem reproduzida por Cohen), o campo teria surgido nos anos 1970, na regiao do Atlantico Norte. De inicio, algumas perguntas saltam aos olhos: e a economia politica classica? Nao teria ela tido algum impacto neste campo? Autores classicos como Adam Smith, Karl Marx ou Friedrich List nao se preocuparam com o ambito internacional em suas reflexoes? Alem disso, o que dizer sobre perspectivas nao ocidentais sobre o tema--vide, por exemplo, Sun Yat-Sen e seu livro da decada de 1920 sobre China e desenvolvimento internacional (Yat-sen, 1920), bem como autores como Victor Raul Haya de la Torre e Jose Carlos Mariategui (vide Helleiner & Rosales, 2017)? Nota-se, neste caso, uma questao fundamental: a escolha de uma cronologia, de uma narrativa ou self-image sobre um campo e algo intimamente conectado a visao normativa acerca do que deve ser a preocupacao do campo em questao.

Em suma, tal forma de contar a historia da EPI deixa muita coisa de fora: a ideia de duas Escolas carece de um engajamento com perspectivas que emergem explicitamente a partir das praticas, em especial no que concerne as perspectivas nao ocidentais (incluindo ai as perspectivas...

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