Historia e epistemologia da ciencia da informacao: abordagem social em foco. - Vol. 39 Núm. 3, Septiembre - Septiembre 2016 - Revista Interamericana de Bibliotecologia - Libros y Revistas - VLEX 677358869

Historia e epistemologia da ciencia da informacao: abordagem social em foco.

AutorTabosa, Hamilton Rodrigues
  1. Introducao

    Analisando a formacao epistemologica da Ciencia da Informacao (CI), percebemos que, no periodo de sua institucionalizacao (1), houve o que poderiamos chamar de um "privilegiamento epistemologico territorial" que, a principio, se coloca fortemente ligado as concepcoes norte-americanas. Do ponto de vista dos estudos cognitivos em CI, por exemplo, privilegiou-se a ciencia cognitiva americana (2), a partir da qual o comportamento humano poderia ser compreendido e investigado atraves de estimulos indutores que conduziriam o sujeito a emissao de respostas. Nessa concepcao, os aspectos sociais que auxiliam na construcao do sujeito social nao eram ponderados nos estudos. No campo da CI, os estudos cognitivistas iniciaram sob essa perspectiva, na qual o sujeito--o usuario da informacao--somente era percebido na sua vontade, necessidade e uso de informacao, desprezando-se assim as motivacoes, que sao muitas vezes sociais. Nos dias de hoje, as discussoes na CI derivam, predominantemente, de uma abordagem que se configura relativamente "nova" para a area, a social, que busca relacionar os aspectos fisicos e cognitivos aos espacos e condicoes sociais de producao, disseminacao e uso da informacao, principalmente focando o senso comum no processo de criacao, busca, recuperacao e uso da informacao. (Capurro, 2003).

    Nao e nossa intencao defender um momento historico como o marco inicial da CI, mas neste ponto queremos apenas elucidar que ha posicionamentos diferentes quanto a isso registrados na literatura da area. Por exemplo, Ortega (2007) afirma que, para um grupo de autores, a CI surgiu na decada de 1930 com a publicacao do Tratado de Documentacao em 1934, por Paul Otlet que, nessa obra, ja erigiria as bases sobre as quais se construiram os principios da CI. Barreto (2002) indica a decada de 1940 como a do surgimento da CI, por ocasiao da realizacao da Royal Society Scientific Information Conference. Seriam alguns dos precursores da area os trabalhos de Bush (1945) e Shannon e Weaver (1949). Outros defendem que a CI nasceu na decada de 60, quando as discussoes a respeito dos conceitos, definicoes e epistemologia da area tiveram inicio, segundo Pinheiro e Loureiro (1995). Essa corrente sessentista atribui as Conferences on training science information specialists, realizadas nos anos de 1961 e 1962 no Georgia Institute of Technology o marco inicial da CI. Nessas conferencias, surgiu o conceito de CI publicado por Borko (1968), que tem sido muito utilizado ate os dias atuais.

    Acontece que na decada de 1960, periodo em que a CI se institucionalizava com os olhos voltados para os padroes estadunidenses positivistas, na Europa, especificamente na Franca, surgiram discussoes em torno de uma Psicologia Social que, ate certo ponto, opera como contraponto a psicologia cognitiva norte-americana, que resultou em um estudo que ressignifica a Teoria das Representacoes Coletivas de Durkheim, culminando na Teoria das Representacoes Sociais (TRS) de Moscovici. A TRS prioriza o senso comum (3) em seu aspecto social das representacoes humanas de maneira "particularizada" e nao coletivizada como pensava Durkheim. Por sua vez, os Estudos Culturais nao podem ser caracterizados de forma unilateral, pois tanto podem ser definidos como um campo com forte vies politico, como tambem a partir de suas relacoes com diferentes disciplinas cientificas. Assim, advertimos de antemao que nosso intuito neste artigo nao e discutir as concepcoes acerca das Representacoes, mas abordar a concepcao cognitivista social para a CI. De igual modo, nao nos lancaremos a uma discussao aprofundada do conceito de cultura, mas, sim, destacaremos a contribuicao dos Estudos Culturais na composicao de novos paradigmas teoricos e empiricos.

    Desse modo, pretendemos discutir, principalmente com base em Moscovici, Vygotsky e nos chamados Estudos Culturais, as relacoes existentes entre estudos com abordagens cognitivas e sociais; alem disso, tentamos compreender como, quando e a partir de quais perspectivas tais relacoes tem sido estabelecidas na CI. Naturalmente, a visao sociologica sobre o tema presente nas obras desses autores precede as abordagens sociais na CI, datadas do final do seculo XX e, certamente, influenciou sua concepcao conceitual e compreensao sobre o social. Nossas reflexoes partem, entao, dos estudos cognitivistas e sociais na CI e das representacoes coletivas e sociais oriundas da Sociologia para delinear influencias e/ou equivalencias em relacao ao surgimento da abordagem social na CI.

    Portanto, o objetivo deste artigo e refletir acerca do "cenario epistemologico europeu" no tocante as teorias sociais no momento do nascimento da CI que, ao priorizar as influencias norte-americanas na sua composicao epistemologica, tardou o desenvolvimento ou aparecimento de um vies social no seu campo teorico e metodologico.

  2. Psicologia social, representacoes sociais e estudos culturais

    2.1. A psicologia socio-historica: Vygotsky

    Conforme Doise (2002), considerar a Psicologia Social como um apendice da Psicologia nao e recomendavel. Embora ele reconheca que varios de seus principios e teorizacoes tenham advindo da psicologia politica, da economica, do desenvolvimento ou da linguagem, por exemplo, sua origem deve ser buscada, segundo o autor, preferencialmente, na sociologia e na antropologia e nao apenas na psicologia, razao pela qual abordaremos, brevemente, as contribuicoes de Vygotsky e Moscovici nesse campo.

    A psicologia russa, elaborada por Vygotsky, Luria e Leontiev, ainda nas primeiras decadas do seculo XX, pautava a cognicao em seu aspecto historico-cultural, conforme Gimeno Sacristan e Perez Gomez (1998). Nessa perspectiva, a consciencia humana e adquirida atraves de um processo historico-cultural, onde o humano esta situado, deslocado, territorializado e desterritorializado, e nao somente uma concepcao comportamental ou fisiologica natural. A partir das influencias do materialismo historico e dialetico, concebe-se que a natureza humana nao existe, havendo producao, fabricacao no interior do social em relacao ainda com os seus objetos e significados.

    Para Vygotsky, o homem e o construtor da cultura --ele se preocupa com a genese dela--e a psicologia classica nao respondia adequadamente sobre os processos de individuacao e os mecanismos psicologicos dos individuos. E com esse entendimento que, conforme Molon (1995), ele elabora sua teoria da genese e natureza social dos processos psicologicos superiores.

    Direcionar o pensamento de uma psicologia cognitiva para uma consciencia nos pensamentos de Vygotsky parece necessario para compreender a abordagem cognitiva na CI. A nocao de consciencia em Vygotsky e fundamental, ela nao pode ser compreendida somente sob o aspecto particularizado do humano, mas somente atraves de relacoes culturais dialogicas adotadas entre ele mesmo e os outros. E, entao, nessa sociabilidade humana, que se atrelam dois tipos de experiencia onde os homens estao inseridos: a historica e a social. Essas experiencias definem a forma como a consciencia humana e produzida.

    Diferentemente de uma concepcao natufisiologica, que apontava para uma condicao natural da psique humana, as abordagens da consciencia, a partir das experiencias historicas e sociais, destacam para um processo descontinuo e formativo da consciencia humana, tomando o humano como um ser historico. Procurando nao dissociar a experiencia historica da experiencia social, e vice-versa, apontamos que essas duas experiencias sao interpretadas por Vygotsky a partir da concepcao de que as influencias historicas interferem no comportamento humano em todos os aspectos de sua relacao com o social. Nesse caso, a "relacao social, no humano, e historica e cultural, pois os seres humanos nao se unem em grupos apenas por "instintos gregarios", nem por leis instintivas tais como aquelas presentes em outras especies animais que vivem em "grupos" e/ou se organizam "coletivamente". (Delari jr., 2000, p, 62). Ou seja, nao se trata apenas de uma heranca genetica, mas de uma heranca historica, em que o humano se torna consciente, produtor, problematizador e interventor do seu processo historico que, por sua vez, somente ocorre em espacos sociais no interior da cultura. Assim, "o devir humano so pode ser encarado como movimento dialetico, como genese historica, como processo e acontecimento". (Delari jr.. 2000, p, 58).

    Nesse aspecto, a psicologia historico-cultural de Vygotsky ja direciona para uma abordagem da cognicao, onde esses fatores sao fundamentais na sua constituicao e expressao. A CI por sua vez, parece ter negligenciado, quando do inicio das suas abordagens cognitivistas, essa forma de pensar e abordar a consciencia humana, preferindo dar enfase a um aspecto "tecnico" da cognicao humana atrelada a construcao do conhecimento. Ao realizar tal distanciamento no interior de seu campo epistemologico, distanciou-se do aspecto social que esta envolvido nos processos de producao da consciencia humana.

    2.2. Representacoes sociais: Moscovici

    Seguindo o caminho aproximado das Representacoes Coletivas, porem contrario ao de...

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