Idealismo constitucional no pensamento de Oliveira Vianna (1920-1930): uma crítica ao liberalismo brasileiro - Núm. 9, Noviembre 2007 - Ambiente Jurídico - Libros y Revistas - VLEX 216643865

Idealismo constitucional no pensamento de Oliveira Vianna (1920-1930): uma crítica ao liberalismo brasileiro

AutorSamuel Martins Santos
Páginas37-60

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Introdução: alguns aspectos metodológicos

As fragmentações dos estudos12 na área de História no século XX trazem importantes contribuições para as pesquisas sobre o pensamento jurídico latino-americano e, particularmente, o brasileiro. A crítica aos modelos macro-explicativos possibilita o distanciamento de uma tendência marcante nas pesquisas sobre o pensamento jurídico, qual seja, a leitura mítica e a-crítica do legado destes autores, que é representativa do tradicional bacharelismo conservador.

Nesse sentido a escolha de Francisco de Oliveira Vianna como objeto de análise não visa sua apresentação mítico-fundadora do pensamento constitucional no Brasil, mas busca a sua compreensão a partir de uma leitura cruzada entre a História do Direito e a Ciência Política3.

O Estado de Direito, enquanto projeto institucional, obteve larga expansão nos mais variados contextos hitórico-políticos e sociais do Occidente. A escolha desse jurista, que pensou e fez propostas sobre a organização do Estado de Direito no Brasil, busca elementos paraPage 40 a compreensão sobre as possíveis configurações desse projeto em países com herança colonial.

A ênfase de análise ocorre sobre as fontes primárias de seus escritos, visando uma apresentação do autor por ele mesmo. E com nítida diferenciação quanto à leitura ou estigmas que foram criados em torno do autor em questão, este artigo parte do reconhecimento da impossibilidade dos atores políticos preverem as próprias ações e suas conseqüências, como muitas vezes a ciência pretende supor, também da inadequação das análises que dividem a sociedade em blocos com o anseio de desenvolver explicações generalizantes4.

Nessa fragmentação, o artigo desenvolve o recorte cronológico como um viés explicativo e norteador da análise. O que possibilitou algumas mudanças de perspectivas, que podem ser resumidas nos seguintes pontos:

■ O debate entre a formação dos Estados contemporâneos na periferia do capitalismo5 foi minorado frente ao recorte cronológico, evitando uma análise dicotômica centro/periferia do capitalismo.6

■ A biografia e bibliografia do autor foi exposta não como uma fiel reprodução dos acontecimentos. Visamos, pelo contrário, registrar quais as impressões que este jurista teve de sua época, quais frustrações e, também, as expectativas quanto ao futuro.

■ O trabalho foi desenvolvido com vistas a alcançar a maior proximidade da reflexão do autor, evitando estigmas, no exercício da leitura da obra a partir dos seus ombros (HespanHa, 2004).

Estas perspectivas auxiliaram na compreensão de suas obras, visto que ao invés de uma justificação desse autor como fundador do pensamento jurídico autoritário, procuramos identificar o porquê as suas propostas foram pela centralização do poder e também, em alguns casos, autoritárias.

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O recorte cronológico decorreu da importância da Primeira República como um momento privilegiado para o estudo sobre questões que são caras ao Brasil até a contemporaneidade, como, por exemplo, o debate em torno da democracia, cidadania e de que modo, enfim, seriam equacionadas as relações entre os indivíduos e o Estado. Se retomarmos a expressão de Reinhard Bendix podemos dizer que o nosso interesse está voltado para as respostas singulares apresentadas pelo jurista analisado, num contexto periférico, para as questões universais dispostas pela ordem jurídica republicana, sobre, por exemplo, o povo, o contrato social, a identidade nacional, o pacto federativo, a democracia e a modernização (1996).

Neste contexto encontramos Francisco de Oliveira Vianna, descendente de uma corrente do pensamento jurídico brasileiro que remete ao período imperial, que sobrevalorizou o Estado e a autoridade, crítico da influência liberal e do federalismo presente na Constituição Federal de 1891, propagador da idéia de crise e que exerceu larga influência no pensamento constitucional brasileiro entre as décadas de 1920-1930, sobretudo, na instituição/justificação do Estado Novo sob a batuta de Getúlio Vargas.

Liberalismo, federalismo e crise na Primeira República

Uma contextualização do Brasil na Primeira República faz-se necessária para a melhor compreensão da obra de Oliveira Vianna, o que remete a algumas características sobre a formação do Estado no Brasil, particularmente, duas instituições absolutamente marcantes, a escravidão e a monarquia, que foram responsáveis, com a sua derrocada, pela instituição da ordem republicana.

No estudo sobre o fim da escravidão, Caio Prado Jr.(2004, p. 123-270) menciona o contexto de industrialização no qual a Inglaterra estava inserida e seu interesse em garantir os mercados para o comércio, motivo pelo qual aumentou a pressão política sobre Portugal e o Brasil para o fim da escravidão7.

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A desmontagem do regime escravista reflete a composição conservadora do parlamento, nos projetos sobre a forma de abolição da escravatura destacam-se duas posições políticas distintas, se o desmonte da instituição seria a curto ou em longo prazo. A Lei do Ventre Livre de 1871 foi a decisão pelo longo prazo. A escravidão era abolida in útero e os filhos dos escravos nascidos a partir daquela data ainda precisariam ficar sob a custódia dos senhores até os 21 anos para serem libertos, a lei foi considerada mais um exemplo da condição elitista da política brasileira8.

O resultado da Lei do Ventre Livre foi uma paralisação dos movimentos pela abolição, apenas no final dos anos 70 o debate é retomado, a necessidade de solucionar a questão da escravidão ganha força.

O período de 1880 a 18859 foi marcado pela instabilidade política, não havia mais meio termo para a escravidão e o estado de coisas indica a possibilidade de grandes transtornos sociais. O abolicionismo marcha nos limites das classes médias urbanas da sociedade, sem compromisso com os escravos. Depois da Guerra do Paraguai os militares não reprimem mais fugas de escravos, a elite do sul está mais interessada em consolidar o capitalismo no Brasil, a escravidão chega ao fim. A Lei de 13 de março de 1888 termina o maior regime escravocrata da Idade Contemporânea, em singelos dois parágrafos absolutamente inversos em tamanho à sua importância na formação do Brasil:

Lei de 13 de maio de 1888.

Artigo 1º: É declarada extinta a escravidão no Brasil

Artigo 2º: Revogam-se as disposições em contrário.

Outra instituição, não menos relevante, foi o regime imperial instituído pela Constituição Política do Império de 1824. Em função da dimensão territorial do Brasil e do rápido processo de independência, o Poder Moderador cumpriu a função de garantir a manutenção da unidade nacional brasileira.10

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A política estatal era restrita ao parlamento como um clube fechado11 de acesso condicionado a convites, as promessas de emancipação do direito não ultrapassavam o comprometimento com o regime escravista. No risco de qualquer desajuste, a figura sagrada do Imperador cuidava do equilíbrio e harmonia das demais instituições jurídico-políticas12.

As práticas políticas conservadoras e o discurso dos bacharéis, indiferentes à realidade escravocrata, impunham aos desavisados a sensação de que o regime era eterno. Todavia, a estabilidade imperial não era absoluta, na segunda metade do século XIX as fissuras do regime, tanto internas quanto externas, começaram a aparecer.

O deslocamento do eixo econômico do nordeste para o sul do país, com o fim do ciclo da cana-de-açúcar e ascensão da cultura do café, ensejou o fortalecimento político de um conjunto de grupos periféricos em relação aos centros decisórios do Estado brasileiro. Particularmente no sudeste, a insatisfação foi ganhando monta até a fundação do Partido Liberal, que com o Manifesto de 1870 indicou uma ruptura inexorável na estabilidade do regime13.

A instabilidade dos gabinetes parlamentares e as constantes intervenções do Poder Moderador, a partir de 1868, desmitificaram a idéia do Imperador como um árbitro em caso de crise, suas ações aumentam o grupo dos descontentes e ao mesmo tempo minam as bases daPage 44 legitimidade da instituição. O Brasil é a única monarquia da América Latina e a inflexibilidade do Imperador revela seu anacronismo num país em processo de modernização14.

Nesse contexto, o federalismo apresenta-se como uma proposta aglutinadora das forças políticas que percebiam a inviabilidade da manutenção da monarquia num país em processo de consolidação da ordem capitalista. Tendência absolutamente convergente com o interesse dos novos grupos, mais afeitos ao regime de descentralização jurídico-política.

Com a abolição da escravatura e o regente doente, a possibilidade de um terceiro reinado impulsionou a aproximação da proposta federalista da concepção republicana de governo; o centro do regime imperial, pautado pelo conservadorismo e exclusão do povo, estava em ruínas; a política, a economia e a cultura não eram mais convergentes com o Poder Moderador, faltam ainda as redefinições das instituições jurídicas.

A proclamação da República no dia 15 de novembro de 1889 não foi um grande momento histórico, o regime já estava minado em várias bases e a proclamação impunha mais perguntas do que respostas para o país. O vácuo deixado pelo Poder Moderador desencadeia um conjunto de revoltas que punham em risco a ordem republicana, a unidade nacional estava em cheque em função da força descentralizadora exercida pelos grandes latifundiários.

Um conjunto de jurista que participaram do movimento republicano teve grandes decepções com a instabilidade do novo regime, bastante grave nos primeiros dez anos, que alcançou algum tipo de estabilidade apenas com a instituição não escrita da política dos governadores pelo presidente Campos Sales15.

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Na esteira de Sylvio Romero, Alberto...

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