O processo de execução das empresas estatais no Brasil - Núm. 41, Enero 2015 - Revista del Instituto Colombiano de Derecho Procesal - Libros y Revistas - VLEX 631567692

O processo de execução das empresas estatais no Brasil

AutorDr. Eloi Pethechust, Dr. Luiz Alberto Blanchet
Páginas185-206

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1. Considerares iniciáis

Tradicionalmente a jurisprudencia do Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou entendimento segundo o qual as empresas públicas e sociedades de economia mistas estáo sujeitas a dois regimes de execucáo por quantia certa, cuja aplicacáo -de um ou de outro- baseia-se na modalidade de atividade que a entidade exerce.1

Assim, caso a empresa estatal seja exploradora de atividade económica, estará sujeita ao regime de execucáo comum ás empresas controladas pela iniciativa privada, qual seja, o disposto no Livro II do Código de Processo Civil (CPC), ao passo que as empresas estatais que prestam servico público tém para si estendidas as prerrogativas processuais da Fazenda Pública, possibilitando a sua execucáo pelo regime dos precatórios.

No entanto, quando a empresa pública ou sociedade de economia mista exerce ambas as atividades, ou seja, presta servico público e explora atividade económica concomitantemente, qual será o regime jurídico aplicável?

O STF já enfrentou um caso que retrata exatamente a controversia em análise, no qual se discutiu qual o processo de execucáo aplicável á Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, cuja ementa segué transcrita abaixo:

RECURSO EXTRAORDINARIO. CONSTITUCIONAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. IMPENHORABILIDADE DE SEUS BENS, RENDAS E SERVICOS. RECEPCÁO DO ARTIGO 12 DO DECRETO-LEI N° 509/69. EXECUCÁO. OBSERVANCIA DO REGIME DE PRECATÓRIO. APLICACÁO DO ARTIGO 100 DA CONSTITUICÁO FEDERAL. 1. Á empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, pessoa jurídica equiparada á Fazenda Pública, é aplicável o privilegio da impenhorabilidade de seus bens, rendas e servicos. Recepcáo do artigo 12 do Decreto-lei n° 509/69 e náo-incidéncia da restricáo contida no artigo 173, § Io, da Constituicáo Federal, que submete a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade económica ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto ás obrigacóes trabalhistas e tributarias. 2. Empresa pública que nao exerce atividade económica e presta servico público da competencia da Uniáo Federal e por ela mantido. Execucáo. Observancia

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ao regime de precatório, sob pena de vulneracáo do disposto no artigo 100 da Constituicáo Federal. Recurso extraordinario conhecido e próvido2.

No caso em questáo, observa-se que o STF afirmou que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos se classifica como entidade prestadora de servico público, razáo pela qual lhe foi aplicado o privilegio da impenhorabilidade de bens, rendas e servicos, devendo a execucáo observar o regime de precatório.

Ocorre que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos representa um caso singular de prestacáo concomitante de servico público e exploracáo de atividade económica, pois além de a empresa prestar o servico postal (servico público), também exerce atividade de logística no transporte de mercadorias (atividade económica).

Nesse contexto, o presente estudo tem o intuito de questionar o enten-dimento exarado pelo STF no tocante ao regime jurídico do processo de execucáo por quantia certa aplicável as empresas estatais que prestam servico público e exploram atividade económica, como é o caso da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, indicando a necessidade de revisáo da jurisprudencia da Corte e sugerindo solucáo mais condizente com o singular regime jurídico das entidades em questáo.

2. Breve histórico das empresas estatais

No Brasil as primeiras empresas estatais com fins económicos remontam as companhias holandesas e portuguesas da época da Coroa, séc. XV e XVI, cujo objetivo era exportar mercadorias para o mercado europeu. Na mesma época, as tapecarias francesas, bem como os empreendimentos marítimos da Coroa, eram importantes fontes de captacáo de receita para o cofre real.3

Porém, pode-se dizer que o surgimento e consolidacáo de empresas estatais no Brasil visando a intervencáo do Estado no dominio económico é um episodio mais contemporáneo4.

A primeira empresa estatal constituida no País foi o Banco do Brasil, em 1808, mediante a conjuncáo de capitais públicos e privados. Posteriormente surge o Instituto de Resseguros do Brasil, em 1939; a Companhia Siderúrgica Nacional, em 1941; a Companhia do Valle do Rio Doce e o Banco do Crédito de

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Borracha, em 1942; a Companhia Nacional de Álcalis, em 1943; a Companhia Hidroelétrica do Sao Francisco, em 1945; a Fábrica Nacional de Motores, em 1946; a Petróleo Brasileiro S. A. (Petrobras), em 1953 e a Centráis Elétricas Brasileiras S.A., em 19615.

Grande parte das empresas estatais mencionadas surge com o escopo de fomentar a industrializacáo do País, pois a iniciativa privada nao tinha recursos suficientes para promover o desenvolvimento desse setor. Nesse sentido esclarece Luís Roberto Barroso: "Nos países de industrializacáo tardía, onde a iniciativa privada era frágil, somente o Estado detinha o capital ou, seu substituto desastrado, a máquina de imprimir dinheiro. Nesse cenário, a atuacáo económica e empresarial do Estado tornou-se inevitável como instrumento do desenvolvimento (...)"6.

Com o fortalecimento da industria nacional, ocorre urna significativa alteracáo das funcóes e das finalidades das empresas estatais, que passam a funcáo de prestadoras de servicos públicos e interventoras no dominio económico7.

No passado mais recente, específicamente 1980 e 1990, observa-se nova mudanca nesse cenário. Através dos programas de privatizacáo ocorre a paulatina transferencia do controle de diversas empresas estatais para a iniciativa privada8.

Apesar da onda de privatizacóes que marcou o Brasil ñas últimas décadas, dados do Departamento de Coordenacáo e Controle de Empresas Estatais (DEST) apontam que em 2007 havia no Brasil 99 estatais no ámbito federal. Desse total, 77,8% no setor produtivo e 22,2% no setor financeiro. Em 2007, as empresas estatais federáis realizaram investimentos da ordem de R$ 39,8 bilhóes representando urna execucáo de 74,7% dos valores previstos no Orcamento de Investimento das empresas estatais para o exercício9.

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Os dados demonstram que ainda é significativa a quantidade de empresas estatais atuantes na economia brasileira, seja prestando servicos públicos, seja explorando atividades económicas, seja ainda exercendo ambas as atividades.

Por tais razóes, mostra-se relevante a análise do regime jurídico de execucáo por quantia certa das empresas estatais, pois ainda sao entidades pujantes que exercem um papel de inestimável importancia na economia e na organizacáo do Estado brasileiro.

3. Conceito e forma das empresas estatais

A Administracáo Pública brasileira se divide em duas frentes de atuacáo, urna chamada Adminístramelo Direta, que engloba as pessoas políticas componentes do Estado, dotadas de capacidade legislativa (Uniáo, Estados, Municipios e Distrito Federal), e Administrando Indireta, composta por entidades públicas (v.g., autarquías) ou privadas (y.g., empresas públicas e sociedades de economia mista) com capacidade administrativa10.

O termo empresa estatal ou governamental é utilizado para designar todas as entidades de que o Estado tenha controle acionário, abrangendo no Direito brasileiro tres formas: as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as demais entidades existentes que vieram a ser adquiridas pelo Poder Público sem autorizacáo específica em lei ou em desacordó com os procedimentos legáis para instituicáo das empresas estatais11.

O conceito de empresa pública e de sociedade de economia mista provém do Decreto-Lei n° 200, de 25 de Fevereiro de 1967, posteriormente alterado pelo Decreto-Lei n° 900, de 1969, que em seu art. 5o trouxe a seguinte definicáo:

Art. 5o Para os fins desta lei, considera-se:(...)

II - Empresa Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimonio próprio e capital exclusivo da Uniáo, criado por lei para a exploracáo de atividade económica que o Govérno seja levado a exercer por fórca de contingencia ou de conveniencia administrativa podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito. (Redacáo dada pelo Decreto-Lei n° 900, de 1969)

III - Sociedade de Economia Mista - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploracáo de atividade económica, sob a forma de sociedade anónima, cujas acóes com direito a voto

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pertencam em sua maioria a Uniáo ou a entidade da Administracáo Indireta. (Redacáo dada pelo Decreto-Lei n° 900, de 1969).

Ocorre que a definicáo trazida pelo referido Decreto-Lei nao reflete o verdadeiro escopo das empresas públicas e sociedades de economia mista na atualidade, vez que os conceitos contidos em referidos termos sao equivocados ao anrmarem que as entidades estatais seráo constituidas exclusivamente para explorar atividade económica, excluindo a possibilidade de prestacáo de servicos públicos.12

O melhor conceito capaz de traduzir o significado de empresas públicas e sociedade de economista mista é o que engloba todas as suas possíveis atividades, podendo, desta forma, assim serem definidas:

Empresas públicas sao entidades, comerciáis ou civis, constituidas pelo Estado sob quaisquer das formas societarias admitidas em Direito Privado (quando concebidas pela Uniáo podem ser criadas novas formas societarias13), mediante a edicáo de lei autorizadora, com personalidade jurídica de Direito Privado e capital subscrito e integralizado com recursos oriundos exclusivamente do Poder Público, cuja finalidade é o exercício de atividade económica...

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