Simbiosis de un conflicto. Desplazamiento forzado e identidad negra - Núm. 12, Julio 2013 - Revista CS de Ciencias Sociales - Libros y Revistas - VLEX 521802030

Simbiosis de un conflicto. Desplazamiento forzado e identidad negra

AutorVera Rodrígues
Páginas129-156

Page 133

Introdução

Os anos noventa do século XX foram marcados por conlitos em diferentes partes do mundo, gerando milhares de refugiados. Em 1991, no leste europeu, a exrepública da Iugoslávia foi o cenário de uma sangrenta faxina étnica que fez dos povos não sérvios —albaneses, bósnios e croatas —um contingente populacional “estrangeiro” dentro das próprias fronteiras nacionais. No continente africano, em 1994 ocorreu o evento crítico conhecido como o genocídio de Ruanda. As tensões históricas entre tutsis e hutus, geradas no contexto do jogo político colonial, delagraram um massacre generalizado e o deslocamento territorial forçado. Entre 1998 e 1999 estima-se que 650.000 hutus passaram a condição de refugiados dentro do seu próprio país. Esses dois casos ilustram o conceito de desterro ou desplazamiento deinido pelo IDCM - Internal Displacement Monitorin Centre - entidade internacional surgida em 1998 como parte das ações de assistência humanitária para refugiados e deslocados territorialmente do Norwegian Refugee Council (NRC).1Segundo o IDCM, trata-se de uma grave situação em que: pessoas ou grupos de pessoas são forçadas, obrigadas a fugir ou a abandonar as suas casas ou locais de residência habitual, em especial como um resultado ou para evitar os efeitos dos conlitos armados, situações de violência generalizada, violações dos direitos humanos, catástrofes naturais ou provocadas pela ação humana e que não cruzaram uma fronteira estatal internacionalmente reconhecida.

O monitoramento do IDCM, em escala mundial, permite avaliar a situ-ação vivida atualmente por milhares de pessoas nos continentes americano, africano, asiático e europeu. Deinidas como IDP —Internally Displaced Persons— protagonizam um deslocamento territorial coercitivo ou involuntário dentro das fronteiras nacionais. Em termos de países, os casos mais recentes são Libia e Afeganistão. No primeiro caso, entre os efeitos das rebeliões populares no norte da Àfrica em prol de reformas democráticas, ocorre desde fevereiro de 2011 o deslocamento forçado de mais de 106.000 pessoas pro-

Page 134

venientes, em sua maioria, das regiões de Benghazy, Ajdabiya e Tubruq. Já o Afeganistão possui aproximadamente 1,2% de sua população (352.000 pessoas) vivendo em situação de deslocamento forçado desde 2001. As causas vão dos conlitos armados e a violência generalizada às violações de direitos humanos. Na tabela abaixo é possível constatar em números o impacto global dessa realidade:

Tabela 1 Deslocamento Global

[VER PDF ADJUNTO]

Fonte 1 Relatório Global-Overview Internal Displacement 2010

(IDMC, Março/2011)

Nota-se que a Colômbia igura em dois momentos: como país com mais de um milhão de desplazados e com ocorrência de deslocamentos recentes. A combinação desses fatores aponta para o desplazamiento colombiano com expressiva

Page 135

representação no cenário mundial. Isso implica, obviamente, em atentarmos para as circunstâncias que circunscrevem esse quadro situacional, mas especial-mente para as consequências e para quem as sofre de forma mais intensa. Por esse motivo, vamos explorar a conjuntura do caso colombiano direcionando nossa análise para a dinâmica das relações entre Estado e sociedade, privilegiando um olhar para as desigualdades etnicorraciais, as políticas públicas de combate a tais desigualdades e o contexto político vivido pela população afrocolombiana, a qual é o maior grupo social em situação de desplazamiento.

O Estado colombiano e as desigualdades etnicorraciais

No início desse artigo enfatizei a década de noventa como marco temporal para analisar o displacement ou desplazamiento, agora estabeleço outro foco que se situa nesse mesmo período: o uso da categoria afrolatinos2 empregada para designar as populações negras da América Latina. Utilizo esta categoria para explicar a correlação entre desplazados e afrolatinos, mais precisamente os afrocolombianos que desejo explorar a seguir. O termo “afrocolombiano”, de uso mais corrente, além de nomear o segmento populacional, estabelece critérios de pertencimento identitário e foi incorporado nas análises sobre exclu-são social e discriminação racial e, consequentemente às reivindicações por políticas públicas focadas nessas populações. Os afrocolombianos emergem como sujeitos políticos no contexto da assembleia constituinte de 1991, cuja nova constituição reconheceu a nação como multicultural, bem como incluiu uma legislação de garantia de direitos territoriais e culturais para minorias étnicas, no caso os povos indígenas. No entanto, as articulações entre movimentos sociais e organizações de base (igreja católica, entidades que reuniam camponeses, pescadores, agricultores, etc), muitas delas formadas por povos indígenas e afrocolombianos, conseguiram a extensão desses direitos para esses últimos.

Antes de seguirmos adiante, cabe explicitar os signiicados de “grupo ét-

Page 136

nico” e “afrocolombianos/negros” no contexto colombiano. O antropólogo colombiano Eduardo Restrepo (2002) chama a atenção para a construção da etnicização, no caso colombiano, como um processo político em que populações negras colombianas passaram a ser vistas como “comunidades negras”, em outras palavras como grupos étnicos portadores de especiicidades identitárias e territoriais, práticas tradicionais de produção e direitos especíicos.

Esse enquadramento como grupo étnico resulta de uma mudança de paradigma no cenário latino americano, lembrando que no Brasil isso também ocorre em relação às comunidades quilombolas quando da emergência, através da luta política de diversos atores sociais (movimentos sociais, organizações direitos humanos, organismos internacionais, etc), os chamados novos sujeitos de direitos políticos. Este novo paradigma acompanha os processos de redemocratização em países como Brasil e Colômbia, bem como os debates transnacionais sobre multiculturalismo, cidadania e direitos humanos.

Nessa dinâmica social o Estado, por meio de marcos legais e normativos, classiica como afrocolombiano/negro aqueles que apresentam “ascendência africana reconhecida e que possuam traços culturais de singularidade como grupo humano, partilham uma tradição e conservam costumes próprios que revelam uma identidade que os distingue de outros grupos, independente de morarem no campo ou cidade. Também são conhecidos como população negra, afrodescendentes , entre outros”.3Essa classiicação apresenta também uma coniguração geográica, já que a presença dessa população é associada com aqueles territórios historicamente ocupados por africanos escravizados no período colonial e seus descendentes. A região com maior presença de afrocolombianos é o pacíico colombiano, uma área de 71.000 km² valorizada pelas riquezas naturais de sua biodiversidade e composta por territórios indígenas e afrocolombianos.Nessa região os territórios afrocolombianos mais expressivos são Choco com 82%; San Andres (57%), Bolívar (27,6%), Valle Del Cauca (27,2%), Cauca (22,2%) e Narino (18,8%). Para além do Pacíico, também os centros urbanos de Bogotá , Medellin e Callí são representativos com 1,5%, 6,5% e 26,2%.

Page 137

[VER PDF ADJUNTO]

De acordo com dados oiciais, revelados no censo colombiano de 2005, a população afrocolombiana consiste em 4.273.722 pessoas, sendo que isso equivale a 10,62% do total da população colombiana, calculada em 41.468.384. Vale dizer que esse percentual de 10,62% é contestado por organizações do movimento afrocolombiano, especialmente PCN —Processo de Comunidades Negras— as quais projetam um índice demográico de 26%. O debate sobre as estatísticas populacionais revela, segundo Bejarano (2010), a luta política das organizações afrocolombianas para incidir diretamente na realização do censo 2005 e promover uma valoração positiva da auto-identiicação negra. Para isso, no ano anterior ao censo, o PCN e outras organizações formaram a “Mesa de Trabajo Nacional Afrocolombiana para el Censo 2005”, objetivando ações de sensibilização da população negra para a auto-identiicação
,como por exemplo a campanha “Las Caras Lindas de mi Gente Negra”.

A inclusão do quesito étnico no censo representa os avanços na esfera pública de temáticas referentes à identidade etnicorracial e políticas públicas reparatórias para populações negras e indígenas. È nesse contexto que as populações negras despontam da invisibilidade social histórica —no que diz respeito à conquista de direitos sociais—, bem como de experiências concretas de desigualdade sociorracial, para a construção de possibilidades de alteração na dinâmica das relações entre Estado e sociedade.

Quando uso o termo “possibilidades” quero indicar que não houve, por si só, uma ruptura absoluta com a ordem social construída em cima de uma idéia de nação mestiça, monocultural e racialmente hierárquica. Por conta

Page 138

disso, o quadro situacional dos afrocolombianos ainda apresenta desigualdades estruturais presentes no acesso à educação, mercado de trabalho e saúde, apenas para citar três áreas emblemáticas. Em paralelo, ocorrem situações de discriminação racial agravadas por fenômenos como o desplazamiento, conlito armado e os limites da eicácia estatal no trato dessas problemáticas.

Esse quadro situacional está posto nos resultados da pesquisa4desenvol-vida por López et al (2009) sobre desigualdades sóciodemográicas e socioeconômicas, mercado de trabalho e discriminação etnicorracial. Entre as conclusões da pesquisa está a de que apesar das variações regionais, é forte a desigualdade medida nos indicadores sociais de esperança de vida, taxas de analfabetismo, posição...

Para continuar leyendo

Solicita tu prueba

VLEX utiliza cookies de inicio de sesión para aportarte una mejor experiencia de navegación. Si haces click en 'Aceptar' o continúas navegando por esta web consideramos que aceptas nuestra política de cookies. ACEPTAR