Gestao de resultados: evidencia europeia das empresas cotadas VERSUS nao cotadas/EARNINGS MANAGEMENT: EVIDENCE OF LISTED AND UNLISTED COMPANIES IN EUROPE/GESTION DE RESULTADOS: EVIDENCIA EUROPEA DE LAS EMPRESAS COTIZADAS VERSUS NO COTIZADAS/GESTION DES RESULTATS: PREUVE EUROPEENNE DES SOCIETES COTEES ET NON COTEES. - Vol. 30 Núm. 76, Abril 2020 - Revista Innovar - Libros y Revistas - VLEX 844849718

Gestao de resultados: evidencia europeia das empresas cotadas VERSUS nao cotadas/EARNINGS MANAGEMENT: EVIDENCE OF LISTED AND UNLISTED COMPANIES IN EUROPE/GESTION DE RESULTADOS: EVIDENCIA EUROPEA DE LAS EMPRESAS COTIZADAS VERSUS NO COTIZADAS/GESTION DES RESULTATS: PREUVE EUROPEENNE DES SOCIETES COTEES ET NON COTEES.

AutorGaio, Cristina

Introdução

Os stakeholders analisam o desempenho e a posição financeira das empresas, tomam decisões e perspetivam o seu desenvolvimento futuro com base na informação contabilística das empresas, nomeadamente nos resultados. Assim, facilmente, depreende-se a extrema importância da qualidade dos resultados e dos respetivos processos de monitorização. No entanto, os gestores têm tendência para, de forma estratégica, gerirem esse indicador de desempenho, que é dos mais utilizados pelos stakeholders no processo de decisão (Francis, Schipper e Vincent, 2003; Graham, Harvey e Rajgopal, 2005; Gonçalves, Gaio e Lélis, 2020).

Nos últimos anos, têm emergido a público vários escândalos financeiros que refletem a decadência da ética dos negócios (Chih, Shen e Kang, 2008) e reforçam a importância da qualidade do relato financeiro, bem como da qualidade da auditoria e do sistema de governação, tópicos que têm sido alvo do interesse crescente por parte da investigação em Contabilidade (Gonçalves, Gaio e Santos, 2019).

Uma das vertentes mais analisadas da qualidade do relato financeiro é a gestão de resultados. São vários os fatores que incentivam ou restringem a prática de gestão de resultados e que poderão ter um impacto maior ou menor consoante as empresas sejam cotadas ou não. No entanto, e apesar de a maioria do tecido empresarial da União Europeia ser constituída por empresas não cotadas em bolsa (Van Tendeloo e Vanstraelen, 2008), são escassos os estudos que analisam a qualidade do relato financeiro dessas empresas e, em particular, a qualidade dos seus resultados. Consequentemente, é de todo relevante o estudo das práticas de gestão de resultados nesse universo de empresas.

A comparação da qualidade dos resultados, e consequentemente das práticas de gestão de resultados, entre empresas cotadas e não cotadas é importante por duas razões: em primeiro lugar, como referido, as empresas não cotadas constituem a maioria das oportunidades de investimento na Europa, sendo que, para os mercados financeiros, será muito relevante conhecer os riscos associados ao relato financeiro naquelas empresas, nomeadamente as suas diferenças em face das empresas cotadas. Por outro lado, a escassa literatura anterior apresenta resultados mistos no que confere àquela comparação. A transação pública de capitais por parte das empresas cotadas em face das não cotadas pode impactar a qualidade do relato de duas formas antagónicas: por um lado, pode criar um efeito de procura por maior qualidade dos resultados, baseada na assimetria de informação dos seus acionistas dispersos, levando a maior qualidade dos resultados. Por outro, poderá existir maior oportunismo dos gestores com vista à obtenção de bónus ou outros benefícios resultantes da gestão de resultados. A comparação da qualidade do relato financeiro naqueles dois tipos de empresas permite clarificar qual das duas explicações pode prevalecer.

Assim, pretende-se, com este estudo, comparar o nível de gestão de resultados praticado pelas empresas europeias cotadas e não cotadas, com base numa amostra constituída por 8.752 empresas, de nove países distintos, num período temporal de oito anos (2005-2012).

Os principais resultados do estudo (1) sugerem que as empresas cotadas apresentem menor propensão para a prática de gestão de resultados do que as empresas não cotadas. O maior nível de exigência de divulgação financeira de qualidade por parte dos stakeholder das empresas cotadas, bem como uma maior supervisão por parte das entidades reguladoras, podem explicar esses resultados.

Resultados adicionais confirmam que a tendência para as empresas não cotadas apresentarem níveis mais elevados de gestão de resultados existe quer nos países common law, quer nos países code law, sendo a diferença mais pronunciada no primeiro grupo de países. Existe também evidência que as empresas cotadas têm maior tendência para gerirem os resultados no sentido descendente, ou seja, para baixarem os resultados divulgados, do que as empresas não cotadas, o que sugere um relato financeiro mais conservador por parte das empresas cotadas.

Este estudo contribui para a literatura sobre a qualidade do relato financeiro em geral, e sobre a gestão de resultados em particular, ao comparar a tendência comportamental das empresas cotadas e não cotadas numa grande amostra com empresas de diferentes países e setores de atividade. Além disso, contribui para a ainda escassa literatura sobre a qualidade da informação contabilística das empresas não cotadas, que, embora representem o grosso do tecido empresarial europeu, continuam a ser negligenciadas em termos de objeto de estudo. Assim, os resultados deste estudo podem ser de interesse para os diferentes stakeholders dos relatórios financeiros das empresas, o que inclui entidades reguladoras, investidores, credores, analistas e gestores das próprias empresas.

Este estudo está dividido em seis secções. Na secção seguinte é feita uma breve revisão da literatura. Em seguida são descritos o processo de seleção da amostra e a metodologia utilizada. Na penúltima secção, são apresentados os resultados obtidos nas diferentes análises realizadas. Finalmente, na última secção, são apresentadas as principais conclusões, limitações subjacentes e sugestões para investigações futuras.

Revisão de literatura

Estamos perante práticas de gestão de resultados quando os gestores utilizam o seu juízo de valor por forma a alterar os relatórios financeiros com o intuito de transparecerem para os stakeholders um desempenho económico da empresa diferente do real, quando influenciam os resultados contratuais que se encontram dependentes de números contabilísticos divulgados ou com vista à obtenção de um determinado ganho privado (Schipper, 1989; Healy e Wahlen,1999). Assim, a gestão de resultados pode conduzir a uma menor qualidade dos resultados e, por conseguinte, a uma diminuição da confiança dos stakeholders (Dechow e Schrand, 2004; Dechow, Ge, Larson e Sloan, 2011; Ferreira, García Lara e Gonçalves, 2007).

Os gestores, por meio da sua tomada de decisão, conseguem afetar ambas as componentes dos resultados: cash flow e accruals. Concretamente, podem gerir os resultados alterando o timing ou o processo das transações relacionado com produção, venda, investimento e financiamento, com vista a gerar o resultado pretendido (gestão de resultados via operações reais); ou podem tirar partido da discricionariedade das normas contabilísticas e gerir os resultados por meio de diferentes decisões que exigem estimativas, juízos de valor e escolha de políticas contabilísticas (gestão de resultados via accruals) (Gonçalves e Coelho, 2019). Para além da incerteza da envolvente e do modelo de negócio, algumas operações podem levar mais tempo a concluir ou exigir estimativas e juízos de valores mais complexos; a precisão de estimativas também está dependente da experiência e intenção da gestão.

São vários os aspetos que distinguem as empresas não cotadas das empresas cotadas e, consequentemente, que podem implicar diferentes motivações para a prática de gestão de resultados. Segundo Burgstahler, Hail e Leuz (2006), as empresas não cotadas apresentam, em média, comparativamente às suas congéneres cotadas, menor dimensão, níveis de rendibilidade inferiores, ciclos operacionais e longevidade mais curtos e menor dispersão da propriedade. Ainda, segundo Van Tendeloo e Vanstraelen (2008), nas empresas não cotadas, existe uma maior proximidade com os detentores de capital e com os credores, que têm normalmente um papel mais ativo na gestão das empresas. Existe também uma maior influência da fiscalidade no relato financeiro.

Healy e Wahlen (1999) classificam os incentivos à prática de gestão de resultados em cinco grandes grupos: objetivos pessoais dos gestores, questões contratuais, questões fiscais, custos políticos e mercado de capitais. Coppens e Peek (2005) argumentam que certas práticas de gestão de resultados resultam somente da pressão exercida pelos mercados de capitais e, como tal, são específicas das empresas cotadas. No entanto, apesar de não sofrerem a pressão normalmente associada às exigências do mercado de capitais, nomeadamente por parte das entidades reguladoras e de supervisão e das expectativas dos analistas, as empresas não cotadas podem sentir pressão relacionada com seu desempenho ao nível do financiamento da dívida, com remuneração, dividendos e eventual pretensão em integrar o mercado bolsista (Hope, Thomas e Vyas, 2013).

Já existem na literatura estudos que comparam os níveis de qualidade dos resultados, e em particular de gestão de resultados, praticados por esses dois tipos de empresas. Contudo, na sua maioria, esses estudos focam-se na realidade de um único país, como, por exemplo: Reino Unido (Ball e Shivakumar, 2005), Espanha (Arnedo, Lizarra e Sánchez, 2007), Bélgica (Vander Bauwhede, Willekens e Gaeremynck, 2003), Finlândia (Sundgren, 2007) e Estados Unidos da América (Givoly, Hayn e Katz, 2010; Hope et al., 2013), ou de um setor específico, nomeadamente no setor bancário (Beatty, Ke e Petroni, 2002). São ainda escassos os que apostam numa abordagem internacional (Coppers e Peek, 2005; Burgstahler et al., 2006).

Até o momento, os resultados encontrados na literatura são mistos. Existe evidência de que as empresas cotadas praticam mais gestão de resultados do que as não cotadas (Givoly et al., 2010), o que sugere que os gestores das empresas cotadas tenham maior incentivo para gerir os resultados de forma a atingirem as expectativas do mercado e os seus objetivos pessoais (opportunistic behavior hypothesis). No entanto, também existe evidência contrária (Burgstahler et al., 2006; Hope et al., 2013), consistente com a ideia de que uma maior procura de informação de qualidade por parte dos stakeholders e a existência de um maior escrutínio da informação, especialmente por parte das entidades reguladoras, incentivam as empresas cotadas a apresentarem resultados de melhor qualidade...

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