Os impactos das dificuldades financeiras nas condutas de consumo: as diferencas entre generos. - Vol. 30 Núm. 75, Enero 2020 - Revista Innovar - Libros y Revistas - VLEX 841030161

Os impactos das dificuldades financeiras nas condutas de consumo: as diferencas entre generos.

AutorPontes, Matheus Dantas Madeira
CargoMarketing

Introdução

O consumo das famílias é parte essencial do ambiente econômico de qualquer região. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBCE) mostram que essa variável é responsável por mais de 60% do Produto Interno Bruto (PIB) no país (IBGE, 2018). De 1960 a 2016, o total de compras das famílias respondeu, em média, por aproximadamente 65% do PIB nacional (Banco Mundial, 2017). O consumo, como atividade que permite a elevação do bem-estar das pessoas através do acesso a diferentes cestas de bens e serviços, retrata o grau de ascensão econômica de uma sociedade (Meressi e Silva, 2016).

Dentro do contexto familiar, têm chamado a atenção da literatura os comportamentos de consumo de homens e mulheres. Embora algumas pesquisas sugiram que existem diferenças mínimas (Gentry, Commuri e Jun, 2003), há indícios de hábitos de consumo distintos de acordo com o sexo do sujeito desde a infância (Uribe e Martínez, 2009). O padrão de compras identificado entre os homens, por exemplo, é orientado para a racionalidade e um maior controle da impulsividade e compulsividade (Coley e Burgess, 2003; Herrera, Estrada e Denegri, 2011). Já o consumo feminino é marcado por algumas características singulares. As mulheres possuem uma maior tendência às compras desnecessárias, gastam mais do que têm e estão mais propensas a se sentirem felizes após o ato de compra (Gallarza, Arteaga-Moreno, Servera-Francés e Fayos-Gardó, 2016).

Alguns autores propõem que essas distinções nos comportamentos de consumo seriam historicamente determinadas pelos papéis que a sociedade impôs a cada gênero. Pesquisa de Smith, McArdle e Willis (2010) constatou que os homens são mais propensos a serem indicados como os responsáveis por decisões financeiras no ambiente familiar. Esse convívio com as decisões de consumo permitiria aos homens mais experiência, ganhos de aprendizado e uma maior tendência ao uso racional dos recursos familiares na aquisição de bens e serviços.

Por sua vez, o público feminino se sairia melhor em situações que envolvem a escolha de bens típicos de uma economia coletora, como a compra de frutas e cereais. As mulheres tendem a analisar melhor os produtos antes de comprar, preferem situações com muitas opções disponíveis para a escolha e estão mais propensas a prestar atenção a itens em promoção. Esse resultado talvez seja fruto de uma época em que as mulheres eram instadas a cuidar do lar e a preocupar-se somente com a alimentação familiar (Kruger e Byker, 2009).

Situação essa, entretanto, em transformação. Já chefes de 40% dos lares brasileiros, é relevante investigar as condutas de compra das mulheres, público especialmente vulnerável pelo fato de ainda perceberem rendimentos menores do que o dos homens (Taiar, 2017). Quando os filhos residem com apenas um dos pais no ambiente familiar, em 87% das ocasiões, uma mulher é quem chefia o lar (Moura, Lavor Lopes e da Silveira, 2016). O desempenho da mulher como gestora das finanças familiares, dessa forma, afetaria significativamente o bem-estar socioeconômico das famílias sob sua responsabilidade.

Nesse aspecto, o perfil de liderança diferente para cada gênero pode impactar a tomada de decisões no ambiente familiar. Os homens tendem a ser mais autocráticos, dominantes, autoconfiantes e competitivos, ao passo que as mulheres se caracterizam por um estilo mais democrático, sensível e cooperativo. Essa liderança orientada às relações interpessoais pode deixar as mulheres mais suscetíveis às demandas de consumo de outros integrantes da família, o que aumenta a dificuldade na gestão dos recursos financeiros (Puncheta-Martínez, Bel-Oms e Olcina-Sempere, 2018). Homens e mulheres, assim, diferem no modo de pensar e tomar decisões (Ilie e Cardoza, 2018).

O acúmulo de atribuições e preocupações com a gestão orçamentária familiar, dessa forma, pode estar impactando o cotidiano das mulheres. Por exemplo, a probabilidade de elas enfrentarem dificuldades financeiras e baixos índices de poupança para aposentadoria é maior em comparação aos homens, afetando especialmente as mulheres solteiras e divorciadas. (Fonseca, Mullen, Zamarro e Zissimopoulos, 2012). Além disso, elas alcançam piores resultados em testes que avaliam o nível de conhecimento financeiro, o que as deixa mais propensas a alcançarem resultados negativos em tomadas de decisões financeiras (Lusardi e Mitchell, 2008; Potrich, Vieira e Ceretta, 2013; Potrich, Vieira e Kirch, 2015).

Constatou-se, adicionalmente, que as mulheres percebem com mais intensidade as dificuldades financeiras enfrentadas pela família. O resultado dessa percepção é uma maior tendência à depressão e a problemas com bebidas (Fröjd, Kaltiala-Heino, Pelkonen, Von Der Pahlen e Marttunen, 2009). Os homens também sentem a pressão das dificuldades financeiras, mas respondem a essas adversidades de forma diferente, admitindo sentimentos como culpa e fracasso, derivados do papel social percebido de provedor do lar, o que aumenta a probabilidade de divórcio (Aytaç e Rankin, 2009).

Percebe-se, dessa forma, que as dificuldades financeiras são potenciais fontes de sentimentos e emoções negativas como estresse, ansiedade, falta de autoestima, dentre outras. Assim, os indivíduos que se deparam com problemas financeiros em seus domicílios estariam mais propensos a apresentar essa diversidade de sentimentos desfavoráveis, o que, por sua vez, poderia dificultar um consumo racional e impulsionar, ao contrário, condutas de compras compulsivas. Oliveira, Felipe e Mendes-da-Silva (2017), por conseguinte, observaram que as crises econômicas podem ocasionar mudanças no comportamento financeiro dos indivíduos.

A pesquisa, nesse cenário, procura contribuir com a literatura especializada em condutas de consumo e finanças pessoais, especialmente entre indivíduos considerados suscetíveis a situações de vulnerabilidade. O entendimento de possíveis causas do consumo compulsivo entre as mulheres pode se traduzir em políticas e campanhas de conscientização por parte de agentes públicos e empresas socialmente engajadas, tendo em vista proporcionar à população feminina conhecimentos que viabilizem uma utilização e gestão sustentável dos seus recursos financeiros.

Compreendendo que os comportamentos de compra estão relacionados a fatores atitudinais que incidem sobre as decisões de consumo, o trabalho distingue as condutas do consumidor em: racionais, em que o consumo é uma atividade planejada a partir de manifestações, em geral, cognitivas; impulsivas, em que prevalecem compras repentinas, guiadas pelas emoções e sem prévia avaliação de suas consequências; e compulsivas, entendidas como as atitudes determinadas por desejos obsessivos de possuir determinado objeto, como forma de compensação de angústias (Denegri et al., 2014).

Dentro desse contexto, o trabalho busca elucidar de que forma as dificuldades financeiras familiares afetam os comportamentos de consumo de acordo com o gênero dos indivíduos. Em um primeiro momento, serão descritas as características das atitudes em relação ao consumo de homens e mulheres, procurando semelhanças e diferenças significativas nas condutas de compras de cada gênero.

Em seguida, a investigação pretende avaliar os impactos das dificuldades financeiras familiares nos comportamentos de consumo, com atenção especial para o público feminino, aparentemente mais sensível a essas adversidades. O objetivo é identificar se há indícios de que as dificuldades financeiras familiares seriam um fenômeno modificador do comportamento de consumo entre as mulheres, que as faz migrar de um estado de racionalidade para um de compulsividade.

Revisão da literatura

Diferentes ciências procuraram desvendar o que determinaria o nível de consumo individual ou familiar. Utilizando uma abordagem econômica clássica, entende-se que os indivíduos consomem para maximizar o grau de satisfação que podem obter via o usufruto de bens e serviços disponíveis no mercado. A escola econômica tradicional parte da premissa de que o consumidor é racional e que compara os custos e benefícios das cestas de mercadorias disponíveis antes de adquiri-las (Pindyck e Rubinfeld, 2006).

Outras searas acadêmicas, entretanto, foram identificando a existência das mais variadas funções psicológicas subja-centes às condutas de consumo dos indivíduos. O consumo deixou de ser uma atividade realizada unicamente para satisfazer as necessidades físicas dos indivíduos, passando a ser uma nova forma de construção da identidade do sujeito, individual ou coletivamente: consumir significa expor à sociedade quem você é e a qual grupo você pertence (Denegri et al., 2014). Quando uma experiência de consumo reforça a identidade do sujeito, aumenta a probabilidade de recompra desse produto ou serviço (Luna, 2017).

Holbrook e Hirschman (1982) inauguraram uma nova abordagem do consumo, ao lançarem luz a respeito dos aspectos experimentais e sentimentais da compra. Essa multidimensionalidade do consumo despertou o interesse da comunidade acadêmica, atraída pelas causas e consequências dos hábitos, atitudes e condutas de compra. Consumir envolve atividades físicas, mentais e emocionais que os indivíduos praticam quando escolhem ou adquirem produtos e serviços com a finalidade de satisfazer suas necessidades e desejos (Herrera et al., 2011).

Luna e Giménez (1998), diante desse cenário, desenvolveram uma escala para avaliar as condutas individuais no ato da compra, em que identificam a existência de três...

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